Contracapas



 

 

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Les trois âges

 

    Silva Carvalho, né au Portugal en 1948, vit depuis quelques années en France.

 

«Les Trois Ages» est son premier livre publié en France, et représente, d' une façon ou d'une autre, le temoignage poétique de ce séjour et de cette expérience humaine.

 

    Le lire c'est parcourir convulsivement l'itinéraire tracé par la civilisation occidentale depuis ses plus lointaines origines.

 

    Mais c'est aussi se sentir, avec émerveillement ou terreur, chaque étape, chaque pas de cet être à la fois présent et fuyant, qu'est notre culture, espace déchiré et déchirant entre le rêve et la réalité, le jour et la nuit, la vie et la mort.

 

    C'est encore un hommage poignant de l'auteur au processus de la création, qui, immanquablement, suit ces trois âges: la Haine, la Solitude et la Folie.

 

 

 

 

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A Experiência Americana Ao Vivo

  Silva Carvalho reacende neste livro um duplo horror que caracteriza o seu imaginário: o horror à metafísica platónica do belo e o horror à supremacia aristotélica ou barroca da metáfora artística. Este horror é todavia fruto de uma lucidez poética, ou «porética», que não visa outra coisa senão a poesia sem a poesia, o puro gesto fluido e quase taquigráfico de um sentimento vitalista que tem os seus melhores efeitos na criação orgânica da Einfühlung  projectiva.

  Aliando a narração realista a uma expressão lírica não raro sincopada e abrupta, o autor prossegue uma «estética da imperfeição» que despreza as belas imagens tão indissociáveis de uma ideia aprazível da poesia. Contudo, se tal estética pressupõe a virtude dos seus «defeitos», não é certo  que o poeta enverede por uma Ästhetik des Hässlichen, ou estética do feio, tal como a definiu Karl Rosenkranz na época de Baudelaire como culminação da crítica do belo ideal iniciada no século XVIII. Esta «experiência americana ao vivo», em ruptura sistemática com a ideia de perfeição formal, e portanto do belo, exprime sobretudo uma experiência do fascínio, mesclada de medo e terribilitá, perante a vastidão esmagadora do absolutamente grande num espaço concreto mas sem limites apreensíveis: a experiência do sublime, no sentido postulado por Burke e Kant.

   Nesta medida, apesar do seu realismo experiencial, o livro confronta-nos com uma estética do impuro e da ilimitação que a todo o instante procura negar-se a si mesma sem deixar de resistir como força de negação do belo ideal e das suas metástases contemporâneas. Longe de deformar o contorno do finito, caindo no feio ou no grotesco, o poeta ultrapassa-o fundindo razão e sentimento num ponto energético do espírito acima de qualquer totalidade, e assim transferindo o sensível da face da linguagem para a presença esmagadora dos objectos em que toda a subjectividade se dissolve. O que só surpreende quem não conheça Silva Carvalho, cujas produções carregam uma natureza bruta que invade a consciência com o fragoroso desabamento da linguagem e dos cristais que reflectem os seus mitos.

Luís Adriano Carlos

 

 

 

 

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NEW ENGLAND

Não existe criador literário mais injustamente ostracizado, silenciado, pelo nosso (português) sistema literário, que Silva Carvalho (n. 1948 e que publica regularmente desde 1977).

Não confundir com Armando Silva Carvalho. O primeiro é um poeta superior, embora seja o segundo a ser amaciado e louvado pelo meio literário. O que revela bem dos seus complexos, da sua estreiteza e afecção. Ou segundo Silva Carvalho: "Ninguém, é o preço do silêncio a que sou votado desde sempre, como um incessante desconhecido ... Assim nunca mais terei leitores pátrios." Silva Carvalho é só, aparentemente, um autor difícil. A desconstrução, o quotidiano e a revolução permanentemente se enrolam na sua poesia, cuja personagem principal é ele próprio. Há uma irrisão da ficção a favor do real. E Jorge de Sena é talvez a sua influência mais forte. Até na sua relação poemática com a música, com o real e com o Humano. Igualmente se intromete no Romance com o anti-Romance "Palingenesia", altamente autobiográfico. Silva Carvalho também é um criador de conceitos como a "catacrese", "porismo", etc., que semeia nos seus livros, em especial de poesia (aí reside o essencial de sua produção literária). Um dos seus momentos mais brilhantes e desconcertantes, foi conseguido no livro de ensaios "A Linguagem Porética" (1996, Brasília editora), aonde se abate sem cerimónias sobre a dita qualidade excepcional dos nossos poetas da segunda metade do Sec. XX. Em especial, ataca a trindade imaculada, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e António Ramos Rosa, e a tudo que representam de espasmo órfico, remetendo-os para a classificação pouco lisonjeira de ultramodernistas. Finalmente, alguém os sacudiu do podium. Mas mesmo este seu talento de polemista ou de provocador, foi, nesta terra de asnos e sopeiras, reduzido a zero, anulado, numa espécie de conspiração do silêncio (não premeditada, o que a agrava). Fazem de conta que não existe. O que se torna altamente confrangedor, quando estamos perante um dos mais poderosos e inquietos criadores literários dos últimos 30 anos em Portugal. "A tarefa, disse-o tantas vezes, e disse-o humildemente, é imensa. Não só mudar o mundo, que se transforma todos os dias, mas mudar a mudança" ("O Romance Contemporâneo", Tertúlia editora). Em suma: um enorme poeta.

João Urbano, Número Magazine, 11 

 

 

 

 

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PALINGENESIA

 

ou o estado e o processo do romance

 

Do Dicionário:

 

PALINGENESIA, s.f. Filos. Eterno retorno. Suposto regresso à vida, depois da morte real ou aparente; renovação, regeneração, renascimento./ Fig. Renascimento moral. Trans-migração das almas, segundo doutrinas pitagóricas./ Crença na persistência da humanidade através dos ciclos históricos, segundo Vico./ Doutrina, segundo a qual se pode, por meio das cinzas de uma planta, reproduzir esta, ou, pelo menos, a sua forma essencial, em solução./ Artifício óptico pelo qual se faz aparecer a imagem de um objecto num lugar onde esse objecto não existe realmente.

 

 

 

 

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QUE ESTUPIDEZ!

 

Sobre o romance PALINGENESIA ou o Estado e o Processo do Romance (Fenda Edições):

    Difícil portanto, definir o género a que este livro pertence. Autobiografia por um lado porque é o autor a falar de si próprio, remetendo para o real da sua vida como homem e escritor, com referências, por exemplo, aos livros já publicados ou já escritos, ou remetendo para factos da sua vida real. Em certa medida, é um ensaio sobre ideias, quer filosóficas quer literárias, onde o autor questiona a problemática da vida e da morte, ou tece comentários acerca do cânon literário ou sobre a escrita do romance. É um romance no sentido de que, toda a realidade reescrita, remete para a ficção, uma vez que a linha que separa o que realmente aconteceu do escrito é muito ténue. O próprio narrador o refere: «as palavras, sendo as mesmas, tecem figurações imprevisíveis quando expostas ao acaso da memória e ao arbítrio do tempo» (p. 15).

(...)

    Sendo este livro uma reflexão sobra a arte do romance, para onde o subtítulo remete, são frequentes as pausas narrativas em que o escritor aproveita para tecer algumas considerações sobre a ficção, a realidade, e honestidade e a autenticidade literárias. Diz o autor que a única ficção que o atrai é a realidade (cf. p. 116). Essa mesma realidade tem-se ele esforçado por apreender através dos vários livros de poesia que vai publicando. Entende, no entanto, que «escrever-se romance não releva de nenhuma autenticidade» (p. 130). Talvez porque na escrita de um romance tem de haver «uma certa cegueira, uma certa ingenuidade, uma desejável estupidez. Só assim se arquitecta uma história» (p. 40). Chega a duvidar se aquilo que vai escrevendo ao longo deste livro é realmente literatura. «Se é, confesso que não estou interessado, nem na literatura nem em ser literato! Contar, é verdade, concordo, mas o quê?» (p. 105)

José Leon Machado

 

 

 

 

 

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A Linguagem Porética

 

 

 

 

 

 

 

A LINGUAGEM PORÉTICA

 

 

 

A Escrita porética é essencialmente desassossegada e inquietante, não escolhe o momento da sua ocasião, pelo contrário, vive da ocasião de todos os momentos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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MEDIOCRIDADE

 

ALGURES... NUM TEMPO QUE NÃO O QUE AQUI FICOU INSCRITO

 

“Que estupidez!” é uma coisa-livro de chacha (Heidegger) que se constrói paralelamente ao discorrer do pensamento autobiográfico e da presentificação da temporalidade quotidiana-VIDA.

 

A “prática narrativa porética”, intuída pelo próprio autor há mais de uma década, “abre caminho” pela renúncia dos protocolos do poder literário. 

Propõe “a linguagem porética e umas estéticas da imperfeição e da estupidez, contributos possíveis para a compreensão de uma outra maneira de viver a escrita e o literário” pós-modernos. (p.88)

 

Não há história. Porque a experiência histórica afronta-se pela temporalidade pós-moderna introduzida pela “heteronímia vertical” (Carvalho) de “petits récits” (Lyotard).

Não há género ou estilo. Porque, entre outras coisas, se privilegia a explosão léxical, a fracturação híbrida, a hesitação (Kierkegaard), o contorno aproximativo (Rorty), o desvelamento catacrético (Derrida), um conteúdo e espaço-tempo reticulares...

Há sim, uma “estética da estupidez” defronte a um real inespelhável; e uma “estética da imperfeição” (Stevens) sem as ilusões do perpetuado decoro estético.

 

Não há narrador ou autor. Porque se aceitou a desmistificação da autoridade do artista-escritor romântico e da falsa autenticidade. Basta a este “escrevedor” ser um homem, que mediocremente escreve a vida taquigraficamente num screen que lhe recusa palavras e apaga o texto. Sem outro propósito que não o terapêutico para a solidão e o terror da morte, na carne de um corpo que sofre entregue ao desconhecido.

 

Mas ao trazer a vida do seu ser individual à escrita, questiona a sua própria praxis linguística, e, num sentido mais lato, problematiza a relação homem-língua-escrita.

 

Gonçalo Furtado

 

 

 

 

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CAOS INDELÉVEL INEFÁVEL

A LINGUAGEM PORÉTICA

 

This book should not be dismissed as the potpourri that in one sense it is. For it mixes critical pieces of evaluation, translations of poems, an interview, essays at theorizing, an explanatory reading or two, and numerous passages relating this book to author’s earlier work – both critical and poetic. Whatever unity the book possesses lies, to a large extent, in the author’s single-minded intention for it: it is, at its best, insistently heuristic.

The essential worth and significant contribution of A Linguagem Porética lies as much in the author’s eye and ear for good literature as it does in his intelligent way of thinking about literature. If it seems natural for Silva Carvalho to theorize about what the writer does when he writes and publishes or about what the reader does when he reads such literature, it seems just as natural for him to serve as a cicerone to books not always as well known or as widely read as he thinks they should be.

It is in his capacity as informed and intelligent cicerone that I choose to approach his own writing in A Linguagem Porética. Even to students of modern American poetry it will come as a pleasant surprise to see him championing poets he has discovered not by following the lead of critics and scholars but through his own inner-directed reading. Indeed, if one resurrects David Reisman’s tripartite division of American character as “other-directed,” “tradition-directed,” and “inner-directed,” any reader of  Silva Car-valho’s book can readily see that neither of the first two terms applies to him. He eschews both the well-worn paths of tradition and the newly worn ways of fashion in favor of making his own, sometimes lonely, way. Hence under the guise of considering the poetry of Robert Lowell, Silva Carvalho discovers the long career and the notable poetic achivement of the still-with-us Hayden Carruth.

George Monteiro

 

 

 

 

 

 

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O Rito

 

Diário de um Hipocondríaco

 

   Silva Carvalho (1948) «Nasci por acaso em Vila do Conde» - assim, autoral, retrata-se, logo na estreia (Suor do Tédio) s/d [1969] , p.89), como fará ao longo da vintena de volumes de poesia, com balanço e explicação dessa entrega diária em raros textos ensaísticos e, sobretudo, no romance fragmentário Palingenesia (1998). É no interior do verso, contudo, que a teoria da disponibilidade (título de 1994) se organiza, na procura de «um ritmo calmo e lento/capaz de me fazer sentir e pensar a loucura/desconhecida e inviolável de outra coisa.// [...] Mas depois as palavras expostas à imaginação/da frase emancipam-se da sintaxe procurada,/tenazes como corpos onde lhes falta a alma/buscam um sentido para a razão enigmática /de estarem ali a preencher funções perenes/que não escapam à legibilidade da história» (p.25-26). Busca incessante, nume espécie de continuidade diarística semelhante ao encavalgamento dos versos-frases, o A. ensaia «dizer a verdade» com «o mundo da língua e não/com a língua do mundo» («A aporia», in o Escritor, 3, Dez. 1993, p.19), o que se transforma numa ética da criação, com efeitos devastadores sobre a imagem de autor institucionalmente rasurado.

 

Ernesto Rodrigues

 

 

 

 

 

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As Estações (1996)

 

A escrita de Silva Carvalho é solidária com a inquietação que assola e consome o sujeito contemporâneo - sujeito dividido, epigonal, em rigor, estilhaços de uma unidade, se não perdida, pelo menos comprometida. Do legado pós-moderno, o autor subscreve a tese que afirma que o paradigma que infectou toda a tradição ocidental, o logocêntrico, está falido e que, por isso, qualquer estética está confinada ao universo dos epifenómenos condenada a ser micrológica. Da atopia daí decorrente, nasce uma estética da inquietação ("apodemiálgica"), da desconstrução das grandes narrativas (o sentido é ainda e sempre micrológico), linguagem suspensa ("parentética"), "pneumática" ainda, onde em cada sílaba, no arfar que a constitui, palpita uma linguagem nem sempre transparente, difícil, anárquica, soteriológica e crítica.

Silva Carvalho assume a contradição, mais adequadamente, vive a tensão, a bipolaridade até, entre o absoluto e o relativo, o "centramento" e a "descentração", a construção e a desconstrução - sinais ainda da "escrita porética" - como marcas da própria criação artística. No deserto, essa metáfora transversal e recorrente nas tradições milenares, lugar de nascimento e morte, erupção e disrupção, por um lado, Silva Carvalho irrompe, qual prestidigitador, como arauto da palavra, no reconhecimento do seu poder e limites, através da violentação dos espartilhos da linguagem, como é visível na criação de neologismos e na recriação de um sem número de vocábulos; por outro lado, no deserto ainda da linguagem que é a marca de quase toda a contemporaneidade portuguesa, assume a consciência da finitude, do fracasso, do definhamento, da morte do próprio escritor como processo autofágico.

O que remanesce? O "escrevedor" - tarefa mínima de um desiderato máximo -, que, à maneira das crianças, joga sem intencionalidade e nesse fazer descobre caminhos. Sobra, acima de tudo, aquilo que é, principalmente para Silva Carvalho, a tarefa central da porética - errar e, ao fazê-lo, reinventarmo-nos nessa experiência, ainda que lúdica, quase sempre dolorosa e penosa, de fuga do abismo.

António Cadima Mendonça

 

 

 

 

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Tetralogia Fática

 

Silva Carvalho não escreve, obviamente, em função do dispositivo literário. E não poderia escrever na medida em que pratica algo que está aquém da literatura. Aquém no sentido caracterialmente mais nobre do termo: como em Kafka, a entrada no sistema literário representaria o abandono dessa mútua vigilância entre si e o outro que a sua escrita exerce. Há aqui um desgosto levantado pela rivalidade entre vida e escrita, há aqui um tal desejo da vida na sua impossível inocência do literário e há, finalmente, uma tal obstinação na nudez da vida escrita, que o paralelo, contextualmente impossível, toma, subitamente, toda a sua razão de ser.

 

Em Silva Carvalho, o problema estético reside na própria possibilidade de atribuirmos nomes da estética aos objectos e às formas de que estamos desavindos. O problema do estético assenta num nome que parece antecipar-se sempre à nossa indagação de um novo autor. Esse nome mobiliza mais a agitação do cânone, as suas recombinações, do que a vinda a este de uma voz em sede.

 

A autores destes não incumbe a sede da novidade, mas o próprio espanto de que ainda haja literatura. Na nossa situação epocal, toda a afirmação de uma condição de autor é problemática. Silva Carvalho aponta constantemente essa primeira vertente da aporia da escrita literária.

 

Jorge Leandro Rosa

 

 

 

 

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Díptico Musical

Em Silva Carvalho há uma indecidibilidade entre poesia, prosa e ensaio. Há um entre que se joga. Por isso a sua Porética é tão pouco atractiva aos poetas e aos teóricos da literatura, pois desagrada a estes por ser a menos poética das línguas e desagrada àqueles por ser a mais conceptual, a mais crítica das linguagens. Em Silva Carvalho assistimos a uma deslocação, senão mesmo a uma inversão, de todos os valores poéticos, assistimos à rasura das  poéticas neo-românticas e neo-simbolistas que dominam ainda a paisagem portuguesa, para que passe outra coisa muito mais exigente e arriscada, que não se contenta mais com o pequeno lume da poesia, seu lirismo complacente, essa destiladora de nostalgia, da pequena dor sacramental, e sem recair mais nas suas ilusões ou nos seus jogos de embriaguez redentora, alquímica, minimalista, perfeccionista e gnosiológica. Em Silva Carvalho não temos poemas lapidados como diamantes, mas rugosos meteoritos. As ilusões modernistas já não lhe fazem parte da escrita. Nele temos um trabalho de desmontagem da ilusão literária, uma espécie de desencantamento propositado, de não se deixar mais conduzir por nenhuma forma de êxtase e de acabamento. Talvez aqui se perceba a sua recusa de se entregar à ficção, insistindo num processo de permanente redução ao real e às nódoas do tempo, cuja testemunha é o próprio autor. Silva Carvalho produz uma escrita quase auto-biográfica, testemunhal e vincadamente conceptual, tentando evitar ao máximo o jogo metafórico e a dobra ficcional. Direi que a figura reguladora ou desreguladora na obra de Silva Carvalho não é mais a metáfora mas a catacrese, embora ela se instale nas franjas da linguagem e trabalhe na sua impotência, na tentativa repetida e repetidamente falhada de capturar o incapturável, o que, no fundo, não se quer capturar. Há uma espécie de materialismo, de cru realismo e mesmo um certo pragmatismo em Silva Carvalho. Como continuar a escrever sem estimulantes ilusões poéticas ou metafísicas?, sem réstia de Platonismo? Aqui entra em cena a Porética, que trabalha no que falha, que, por ironia do destino, não falha onde as demais poéticas falham. É o perfilar-se da sua Estética da Imperfeição. Parece-me uma evidência que desde Pessoa ninguém mais, por estas bandas, acrescentou o que quer que fosse de relevante, de conceptualmente decisivo, para a literatura portuguesa, excepto Silva Carvalho, o único escritor capaz, neste rectângulo, de solapar toda a poética dos poetas e literatos, todo esse bafiento e já insuportável sacerdócio.

João Urbano

 

 

 

 

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Cypress Walk

 

 

 

Tempo para poder pensar não no tempo

que me falta, mas no que mais de mim se perde,

quem possivelmente sou neste sem tempo

onde culmino como anseio pensante.

 

E depois, absurdo de tão absorto,

a pergunta inquietante: porquê pensar;

que necessidade age que me obriga a exprimir

verbos onde seria melhor existir homem?

 

Nenhum fio quando não mais existe o dédalo.

Tudo foram símbolos ou mitologias,

a história da erudição jaz sem história

nesse mesmo lugar onde da vida se trata.

 

Porquê pois em mim quem não sou?

Que atavismo me dilacera em ocorrências,

que esporádico mecanismo me faz sentir

inexistências como possibilidade de presença?

 

Sim, tempo, mas antes para dessentir

o peso do passado entrevisto na memória,

antes para sentir a vida adejar nesta hora

onde a indefinição coincide com a vertigem!

 

Neste corpo tem que haver uma verdade:

alguém sou eu ou algo de mim se redescobre

como essência desintelectualizada da forma,

um homem do enigma reflecte apenas a ausência!

 

 

Silva Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

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